É o sonho (norte) americano - um carro!
Apesar de Toronto ter um sistema de transporte público muito bom, o Canadá não é a Europa e carro é bastante importante. Bye bye streetcar (e consequente espera por ele nas esquinas com o pés congelando a sei lá quantos graus abaixo de zero), hello car!
A principal consequência do meu novo emprego foi a necessidade de comprar um carro. A empresa que vou trabalhar fica em Markham, cidade ao lado de Toronto e 27 km daqui de casa (meia hora pela highway). Confesso que fiquei feliz, pois se eu tivesse conseguido um emprego em algum lugar com acesso por metrô não teríamos tido coragem de ter esse gasto agora, mas já estamos curtindo bastante.
Passo 1 - OK, recebida a oferta de emprego, primeira providência foi ligar no HSBC para ver quais taxas teríamos para comprar um carro e assim saber qual valor de veículo poderíamos dar uma olhada. Surpresa: depois de muitas ligações descobri que o HSBC não tem mais financiamento de veículos! Achei muito estranho e consegui falar com a gerente que tem nos atendido e ela disse que eles não têm financiamento de veículos, mas podem fazer um crédito pessoal para a pessoa comprar um carro. Surpresa 2: a taxa de juros desse empréstimo pessoal é maior do que a nossa taxa de cheque especial (temos um limite muito bom aqui no Canadá por termos aberto a conta Premier ainda no Brasil). Recomendação da gerente: compre o carro e pague com cheque especial! Achei isso uma loucura, perguntei pra ela se não seria prejudicial para o meu crédito e ela disse que não. Cheguei a pesquisar outros bancos mas a taxas para compra de veículos usados sempre era mais alta que a tal taxa do cheque especial e sabia que de qualquer maneira seria muito difícil conseguir ser aprovado pois estamos aqui há pouco tempo e o meu SIN number é temporário (pois estou agora com work permit e não residência permanente). Várias lojas de veículos pequenas oferecem financiamento pra quem não tem crédito mas, de novo, as taxas de juros são altíssimas.
Passo 2 - sabendo que iríamos ter que usar nossas economias e o cheque especial pra comprar o carro, o passo 2 foi olhar os anúncios pra saber + ou - que tipo de carro poderíamos comprar levando em conta o dinheiro que tínhamos disponível. Agora começa a diversão: existe algo como Tabela FIPE no Canadá? Qual o "Webmotors" canadense pra olhar os carros? Tem "Melhor Compra" da Revista 4 Rodas canadense? Pois é meus amigos, o que era relativamente fácil no Brasil, você precisa reaprender quando imigra! Respostas: não achei uma Tabela FIPE por aqui, achei uns valores chamados Black Book e Red Book mas pra você saber quanto vale o seu carro precisa pagar uma taxa pra acessar o tal do Red Book - li alguns artigos no jornal mencionando os valores de carros usados pelo tal do Red Book, mas cheguei à conclusão que não é uma referência óbvia como a querida Tabela FIPE. O Webmotors canadense é um site chamado Autotrader.ca - mas que saudade do Webmotors, as opções de busca do Autotrader são bem limitadas comparado ao querido Web. Outro bom site também é o Wheels.ca. Não achei um equivalente ao Melhor Compra da 4 Rodas e nem descobri se existe uma revista similar à 4 Rodas (óbvio que existem revistas de carro por aí, mas não consegui encontrar nenhuma do mesmo porte e credibilidade) - tive que recorrer então aos reviews dos carros em artigos de jornais como o The Globe and Mail.
Passo 3 - pegar dicas de quem já comprou. Liguei pro meu tio pra saber onde ele compra os carros dele e pegar dicas. Ele falou pra gente se desapegar da história da kilometragem, pois aqui os carros são muito rodados, mas como as estradas são boas isso não é um problema. Mandei um e-mail também pra Marden, dos blogs Conversa entre Penélopes e Imóvel no Canadá e ela foi suuuuper atenciosa, respondendo várias perguntas, dando dicas, indicando seguradoras etc etc. Descobrimos que a média de kilometragem aqui é 20 a 25 mil km por ano e que carros com kilometragem mais baixa do que isso são bem mais caros, e mais alta do que isso são bem mais baratos.
Passo 4 - pegar uma estimativa de seguro. Liguei pra corretora que faz o seguro do nosso apto e pedi uma cotação para 3 modelos diferentes de carros. As cotações foram altíssimas (conforme eu imaginava) então pedi pra ela ver se a gente mudasse o modelo do carro se faria muita diferença - praticamente nenhuma. Os principais "problemas" eram o fato de não termos histórico de carteira de motorista nem seguro de carro na América do Norte (não dá pra mudar isso) e de morarmos em downtown Toronto (também não dá pra mudar). Ela só falou pra eu evitar de comprar Honda pois são os carros mais roubados aqui e consequentemente têm seguro mais caro.
Passo 5 - visitar as lojas de carro. Tivemos que alugar um carro para ir comprar o carro! A maioria das lojas de carro e concessionárias não estão em downtown (óbvio), então alugamos um carro da Enterprise por 9,99 por dia por 3 dias pra procurar carro, pois de transporte público não íamos dar conta. Depois da rápida idéia de comprar um Jeep usado (super barato, mas chegamos em casa e lemos os reviews dizendo que não era uma boa), decidimos focar a busca no Toyota Matrix, que é um Corolla hatch com bastante espaço de porta-mala (não somos fãs de sedan). Fomos a várias lojas pequenas olhar os Matrix usados e rapidamente aprendemos que carro semi-novo (1 ou 2 anos) no Canadá é muito provavelmente carro que foi de locadora - aqui as pessoas ficam bastante tempo com os carros então o normal são carros com no mínimo 3 ou 4 anos de uso. Lá fui eu pra internet pesquisar se valia à pena ou não comprar antigo carro de locadora, muita gente fala que sim, muita gente fala que não, mas decidimos que não iríamos correr o risco.
Passo 6 - mais aprendizado. Depois de 3 dias de visitas frustradas a lojas de carro, com vendedores empurrando carros de locadora sem falar que era de locadora (só descobri pois a chave reserva que estava no porta-luvas tinha o logo da locadora), carros com retoques na pintura tão toscos que até eu percebi, bancos sujos etc, decidimos que iríamos comprar em concessionária. A Toyota oferece um programa chamado Toyota Certified, onde eles checam 129 itens dos carros usados e dão 1 ano de garantia de motor e câmbio. Lá fomos nós numa concessionária Toyota, dispostos a pagar um pouco mais por comprar o carro em concessionária - já tínhamos finalmente sacado que também não existe almoço grátis e que os carros das lojas pequenas eram mais baratos por serem antigos de locadora e que teríamos que pegar um carro um pouco mais antigo pra caber no nosso orçamento. Eles tinham 2 Matrix lá e finalmente fizemos um test drive no carro (as lojas pequenas não permitiram) - o 1o carro que testamos a direção estava vibrando que nem doida, o 2o estava OK. O 2o tinha kilometragem mais alta que o primeiro e mesmo assim o cara da loja queria cobrar $500 a mais pelo carro (a justificativa dele é que o carro custou mais caro pra ele - e eu com isso?). Aí ele veio com aquele papo de que iria consertar o outro carro mas, na boa, esse é irmão desse e achamos que era muito risco. Aí vieram as surpresas: em cima do preço anunciado, eles cobram mais um monte de taxas extras - as famosas "hidden fees": pelo tal do Toyota Certified, queriam cobrar $690; depois mais $500 de sei lá o quê, $200 de outra coisa... Quando começamos a tentar negociar o vendedor foi meio arrogante, dizendo que a gente tinha um problema pois a gente tinha um budget para comprar o carro - nada de querer ajudar o cliente, mostrar outras opções. Saímos de lá p. da vida e decididos a pagar um pouco mais caro e comprar um carro zero pra não ter dor de cabeça.
Passo 7 - visitando concessionárias. Já exaustos com tudo isso, lá fui eu então em concessionárias pra ver valor de carro zero. Nessa já tínhamos devolvido o carro alugado, então fui nas concessionárias aqui perto de casa. Os anúncios no jornal eram de taxas de juro super baixas (as vezes até 0%), pois dezembro é um mês bem devagar nesse mercado - fui tentar ver se alguém me dava crédito. Primeiro fui na Toyota e mudei o discurso - falei que estava olhando Matrix usado e zero e que, se eles conseguissem uma boa taxa pra mim pra financiamento ou leasing, eu pegaria um zero. O vendedor nem me mostrou o carro, só queria saber do valor da parcela, bem no estilo "quer pagar quanto?". Ele me fez uma proposta indecente de um leasing dando $5.000 de entrada e 2 anos de prestação que no final eu pagaria um dinheirão e ainda teria que devolver o carro; já pra um Matrix usado me passou um preço mais ou menos à vista. Lá fui eu na Hyundai (que depois descobri que era do mesmo dono da Toyota e de várias outras concessionárias em downtown) - cheguei com seguinte discurso: eu quero uma Tucson, mas não sei se posso pagar; outra que me interessa também é o Elantra perua. Na hora o rapaz que me atendeu falou: te interessa uma Santa Fe? Eles tinham acabado de receber uma Santa Fe 2007 usada que tinha entrado como parte de pagamento, o carro ainda estava sujo e sendo checado pelo mecânico. Dei uma olhada de longe e falei "meu marido vai querer a Santa Fe", mas lá fui eu olhar o Elantra. O carro é muito bom, tem bastante espaço interno - a Hyundai no Canadá, como no Brasil, oferece mais por menos: mais conforto, tecnologia, garantia por menos que uma Toyota por exemplo. Eles tinham um carro de demonstração (que eles usam pros test drives) e o vendedor me deu um excelente desconto (apesar de ter uma relativa kilometragem, as montadoras vendem os demos como zero e dão toda garantia). Como em todas as outras lojas e concessionárias, eles tentaram me pressionar pra fechar na hora, mas voltei pra casa com calma pra discutir tudo com o marido. Com relação a financiamento, o próprio gerente recomendou eu usar o meu limite do HSBC, pois eles não iriam conseguir uma taxa melhor pra mim.
Passo 8 - a decisão. Chegando em casa, mostrei o folheto do Elantra pro meu marido e comentei da Santa Fe - ele na hora falou "ah, eu prefiro a Santa Fe". A Santa Fe usada era beeem mais barata que o Elantra zero, além de ser um carro com muito mais conforto. E também tem aquela coisa de brasileiro que jamais poderia ter esse carro no Brasil (sem contar o custo da blindagem, rs rs rs). No dia seguinte liguei de manhã na concessionária e avisei que iríamos mais tarde e gostaríamos de fazer um test drive na Santa Fe. Chegando lá o carro já estava pronto, esperando a gente. O marido não precisou de 2 minutos pra decidir que era esse carro mesmo - super estável, confortável e com todos os opcionais (inclusive aquecimento nos bancos, que o meu marido carinhosamente apelidou de "butt warmer"). Decidido, começou a negociação - não foi fácil, ficamos lá quase 2 horas, mas meu marido conseguiu baixar $500 do preço inicial que eles estavam pedindo. Aqui não existe cobrança de despachante - a loja providenciou o licenciamento, emplacamento etc como cortesia, cobrando o valor que o governo cobra mesmo.
Passo 9 - recebendo as chaves. Nós demos uma entrada no cartão de crédito e o saldo pagamos apenas na hora de retirar o carro - fiquei impressionada! Foi tudo muito rápido, nós fechamos o negócio na 4a, 6a de manhã mandei as infos do seguro (assunto pra outro post) e na 6a final da tarde pegamos o carro. No dia seguinte, já pusemos o pé na estrada em direção aos States, onde passamos a semana do Natal.
Jojo adorou o carro novo!
Principais dicas pra quem está chegando e vai comprar um carro usado:
- Venha preparado com o dinheiro pra pagar à vista. Financiamento existe sim, mas ser aprovado é difícil e as taxas de juro pra quem não tem histórico são altas. Mesmo pra quem conseguir emprego, muitas financeiras não liberam o crédito pra quem está em período de experiência (que pode ser de até 6 meses) - a minha empresa concordou em me dar um employment letter sem mencionar que eu estarei no período de experiência (a headhunter negociou isso com eles), mas acabei não precisando. Pra quem ainda não veio, tente abrir a conta no HSBC Premier e, quando chegar, aceite o limite de crédito de cheque especial (chamado de overdraft limit), pois pode ser muito útil.
- Exija sempre um relatório chamado CarProof - ele mostra onde o carro já foi licenciado (aqui em Ontario carro que já foi licenciado em Québec perde valor!) e, principalmente, se já houve registro de acidentes com o veículo. Mas fique esperto: muitos acidentes pequenos não são reportados para as seguradoras e não vão para o CarProof!
- Pesquise muito o valor dos carros nos sites AutoTrader e Wheels.ca. E lembre-se da máxima: quando a esmola é muita, o santo desconfia - desconfie mesmo, pois não existe almoço grátis.
- Fique atento pois muitas lojas falam que o veículo é off-lease (devolução de leasing) mas "esquecem" de mencionar que o tal leasing era de locadora - se o carro foi de locadora, o valor cobrado pela loja tem que ser menor que similares de usuários particulares.
- Não tenha medo de comprar carros com 100, 200 e até 300 mil km. Óbvio que "you get what you pay for", mas como as estradas aqui são boas e as distâncias são grandes, carros às vezes com 300 mil km podem ser uma opção boa e barata pra quem está chegando. O carro do meu tio está com 300 mil km e nunca deu dor de cabeça - ele pagou uns 3.000 dólares por ele.
- Se possível, pegue referências com conhecidos sobre lojas para comprar o carro.
- Fique esperto com as "hidden fees". Outra coisa - a concessionária tentou empurrar pra gente uns 5.000 dólares de coisas extra, como garantia estendida, proteção contra ferrugem etc - como no Brasil, tudo que é comprado em concessionária é mais caro. Se você tiver interesse em garantia estendida e coisas do gênero, pesquise antes se vale à pena e se existem outras alternativas no mercado. Nós optamos por não comprar pois o valor era altíssimo e é apenas garantia, não cobre manutenção e desgaste natural.
- Nunca caia da conversa dos vendedores para fechar na hora. Volte pra casa e pense com calma. Quando voltar, negocie pois sempre tem um chorinho :-)
Happy driving!